Francisco Assis alerta Governo para riscos das “raspadinhas”

Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social (CES), vai promover estudo sobre o impacto social do vício da “raspadinha” . Vendas brutas dos jogos sociais em 2019 atingiram os 3360 milhões de euros. Governo vai criar uma lotaria instantânea para financiar intervenções no património cultural do país. Assis espera que o Governo reconsidere.

Um estudo publicado na revista The Lancet Psychiatric mostra que, em média, cada português gasta 160 euros por ano em raspadinhas, um número muito superior ao de outros europeus. O perfil epidemiológico do jogador em todo o mundo está a mudar e as raspadinhas surgem como uma das principais fontes de viciação.

“O Governo deveria reponderar o lançamento de uma nova lotaria instantânea, que está prevista no Orçamento do Estado. (…) Se eu tivesse responsabilidades governativas esperaria, no mínimo, pelo estudo que o CES vai promover”, disse Francisco Assis à agência Lusa.

O presidente do CES vai informar o Governo da sua intenção e vai contactar investigadores da Universidade do Minho para que iniciem um estudo sobre as consequências sociais do vício da lotaria instantânea, conhecida por “raspadinha”.

A realização do estudo está prevista no Plano de Actividades do CES para este ano, que foi hoje enviado aos membros do Conselho Económico e Social e deverá ser aprovado em plenário no dia 8.

Mas Francisco Assis não vai esperar pela aprovação do Plano de Atividades para encomendar o estudo, dado que estatutariamente tem competências para isso e conta com a concordância dos seus quatro vice-presidentes, vai avançar já por considerar que se trata de “um problema social gravíssimo”.

Segundo o Orçamento do Estado para 2021, o Governo vai criar uma lotaria instantânea para financiar intervenções no património cultural do país. Esta “raspadinha” está prevista nas principais medidas de política orçamental como Lotaria Instantânea do Património Cultural, com uma receita esperada de cinco milhões de euros.

Para Francisco Assis não é aceitável pensar em financiar qualquer investimento à custa do empobrecimento de quem é viciado neste tipo de jogo.

“Temo que lançar mais uma ‘raspadinha’, embora a intenção seja boa, (…) vá contribuir para agravar este problema de adição que autodestrói pessoas dos sectores sociais mais desfavorecidos”.

Por considerar que “esta não é uma questão menor”, é que o presidente do CES decidiu avançar com o estudo, que envolverá especialistas de várias áreas.

“Não me compete fazer apelos [ao Governo], mas informar que o CES vai fazer o estudo que se constitui de certa forma como um apelo. Não somos decisores, mas temos responsabilidade para chamar a atenção para os problemas”, disse.

O presidente do CES explicou à Lusa que se apercebeu recentemente da gravidade das consequências do vício das “raspadinhas” porque foi alertado por profissionais do sector social e consultou alguns estudos sobre o tema.

Referiu, a propósito, que a lotaria instantânea representa 50% do total das receitas de lotarias e que a sua venda tem vindo a crescer significativamente desde 2010, de acordo com um estudo realizado por Daniela Vilaverde e Pedro Morgado em março 2020.

Segundo o mesmo estudo, em 2018 o valor das “raspadinhas” vendidas em Portugal foi de 1594 milhões de euros, o que significa que cada pessoa gastou, em média, cerca de 160 euros por ano nas lotarias instantâneas.

Em Espanha, no mesmo ano foram vendidas “raspadinhas” no valor de 627,1 milhões de euros, o que equivale a cerca de 14 euros por pessoa.

Uma tese de doutoramento de 2015, de Maria João Ribeiro Kaizeler, também citada por Francisco Assis, concluiu que em Portugal se consome, em média, mais jogos de lotaria do que na Europa e no mundo inteiro.

Francisco Assis referiu ainda que, segundo especialistas médicos, as “raspadinhas” criam facilmente vício porque são rápidas, são baratas, não é necessário entender o jogo e são fáceis de comprar, pois estão à venda em muitas lojas.

“E são as pessoas de menores rendimentos que são mais viciadas”, salientou, lembrando estudos internacionais sobre o tema.

O presidente do CES considerou que “o problema é mais grave do que se pensa” porque está em causa a destruição de indivíduos e das suas famílias.

“É imoral ignorar esta questão e continuar impávida e serenamente a usar este tipo de jogos para financiar seja o que for (…) estamos a contribuir para a autodestruição de muitos indivíduos oriundos dos meios socioeconómicos mais desfavorecidos”, disse.

Francisco Assis defendeu que o CES tem que estar atento às questões sociais e deve produzir documentos sérios para apresentar a quem toma as decisões, “para dar mais consistência às decisões políticas nas áreas económicas e sociais”.

“Neste caso, trata-se de uma questão social, porque envolve as pessoas mais carenciadas, não é um problema menor”, disse, justificando a necessidade de promover o estudo.

António Orlando

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