A Comida e o Vinho na obra de Eça é a base para o Seminário Internacional Queirosiano

ESTUDO. Seminário Internacional Queirosiano destina-se a todos os interessados na obra queirosiana e na área cultura / literatura / media. O formato do Seminário Internacional Queirosiano corresponde a um padrão, com uma tradição consolidada desde 1998.

Seminário Internacional Queirosiano destina-se a todos os interessados na obra queirosiana e na área cultura / literatura / media. O formato do Seminário Internacional Queirosiano corresponde a um padrão, com uma tradição consolidada desde 1998.
Cartaz da XXIII edição Seminário Queirosiano

A Fundação Eça de Queiroz vai realizar de 18 a 22 de julho uma nova edição do Seminário Internacional Queirosiano. A XXIII edição do Seminário tem como tema “A Comida e o Vinho na Obra de Eça e no Panorama Oitocentista Europeu”

Programa Aqui

A coordenação científica estará a cargo de Orlando Grossegesse, professor associado da Universidade do Minho. Serão professores convidados, Maria Serena Felici, organizadora temática deste seminário, Doutorada em Lingue, Letterature e Culture Straniere pela Università Roma Tre, com tese sobre Eça de Queiroz; Mariagrazia Russo, Diretora da Faculdade de Interpretação e Tradução e Professora catedrática de Língua e Tradução Portuguesas na Università degli Studi Internazionali di Roma (UNINT), onde dirige a Cátedra “Vasco da Gama” do Instituto Camões; Giorgio de Marchis, Professor catedrático de Literatura portuguesa e brasileira no Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas Estrangeiras da Universidade Roma Tre, onde coordena a Cátedra Camões I.P. “José Saramago” e a Cátedra “Agostinho Neto”. Sobre a obra de Eça de Queirós escreveu vários artigos e ensaios publicados em Itália, em Portugal e no Brasil.

SABER MAIS

Eça de Queiroz realiza, na sua obra literária, afrescos de grande valor icástico da realidade social portuguesa da segunda metade do século XIX.

Um elemento que caracterizava de maneira exemplar o hiato entre as classes abastadas e as desfavorecidas era, evidentemente, a alimentação. Em primeiro lugar, por uma óbvia questão económica: o proletariado urbano ou rural não tinha a possibilidade, se não esporadicamente, de trazer pratos elaborados para as próprias mesas; nas casas burguesas e aristocráticas, pelo contrário, a presença de tais alimentos não só estava disponível, como que constituía a norma diária. Em segundo lugar, a diferença de hábitos no sector alimentar dava-se pelo status social: mesmo nas casas ricas, onde, em teoria, haveria a possibilidade de submeter a mesma dieta a todos os habitantes, os criados consumiam alimentos mais simples em relação aos que eram reservados aos senhores; lembrar-se-á o horror que provava Julien Sorel à ideia de comer com os servos, na casa do prefeito, e a reprimenda que o pai lhe move de ser guloso; nele, ecoa a raiva de Juliana, que, em O Primo Basílio, anela a comida da patroa, Luísa. “La table” escreve Balzac em La cousine Bette, “est le plus sûr thermomètre de la fortune dans les ménages parisiens.”[1] Efetivamente, nos demais autores realistas e naturalistas europeus aparece o elemento gastronômico qual sinal distintivo social. Assim, em Eça, os sacerdotes de O Crime do Padre Amaro gozam duma mesa farta enquanto os pobres de Leiria passam fome, numa contraposição que chama à memória a injustiça representada por Zola, em Germinal, nas iguarias comidas pelos donos da mina e na escassez das mesas dos obreiros.

Além disto, os usos e as preferências alimentares caracterizam as personagens queirosianas: a sensual Leopoldina, ainda em O Primo Basílio, não sabe resistir ao bacalhau de alhada que o álgido marido lhe nega; nesta perspectiva, ela lembra muito de perto a flaubertiana Emma Bovary, que cobiça o alho, os gelados, as compotas, os xaropes e os licores doces.

Na sociedade portuguesa, aliás, o elemento alimentar e enológico tem uma função simbólica que se torna evidente quando se considerar um produto cultural extremamente significativo, a paremiologia.[2] Talvez por causa deste grande papel cultural, em Eça a culinária é descrita com maior cuidado em comparação com outros realistas e naturalistas europeus, e com um elemento adicional: o uso literário dos produtos típicos da gastronomia portuguesa. O ingênuo Cruges, em Os Maias, constrange-se por ter esquecido as queijadas de Sintra para a pedante mãe; o estrangeirado Fradique Mendes lamenta ironicamente o assado de espeto, já desaparecido das casas portuguesas como as demais velhas tradições, enquanto o infido Teodorico saboreia, às sextas-feiras, o bacalhau da prostituta que frequenta após ter aparentado, com a velha tia, ter comido apenas pão com água. O bacalhau, de resto, é a presença constante na mesa da casa da Misericórdia, em O Crime do Padre Amaro, e dos convívios da alta sociedade lisboeta em Os Maias, enquanto outra iguaria típica, o arroz, nas suas diversas formas de favas, de forno e doce, marcam a contraposição entre o luxo sem sabor de Paris e a simplicidade genuína portuguesa em A Cidade e as Serras. O arroz de favas com frango frito é um doa ex-libres do restaurante Tormes, localizado na Fundação Eça de Queiroz, onde irá decorrer o Seminário Internacional Queirosiano, em Santa Cruz do Douro, Baião.

A escolha de colocar nas mesas de seus personagens os pratos e os vinhos mais ilustres da culinária lusitana caracteriza Eça: o clero ganancioso, a burguesia das intrigas amorosas, a aristocracia antiga e intolerante, a antiquada intelectualidade tardiamente romântica que ele pretende derrotar, são “pratos típicos nacionais” tanto quanto o bacalhau, o arroz doce, os ovos com chouriço, o arroz de forno; tudo isto, acompanhado por um vinho verde ou uma “lágrima” de vinho do Porto, amarga e adocica ao mesmo tempo, como o estilo do autor. O apetite está, assim, aberto para o regresso pós pandemia do Seminário Internacional Queirosiano.

Legendas:

[1] Honoré de Balzac, Œuvres complètes, Paris, Houssiaux, 1874, p. 49.

[2] Vd. Emma De Luca (coord.), Parla come mangi. Lingua portoghese e cibo in contesto interculturale (Viterbo, Sette Città, 2015). Temos uma coletânea de provérbios portugueses ligados à alimentação curada por Mariagrazia Russo onde se destaca o famoso “Quando o pobre come galinha, um dos dois está doente” evocado pela célebre frase no romance A alma dos ricos de Agustina Bessa-Luís: “Não é preciso ser rico para comer; é preciso ser rico para saborear”. Agustina Bessa-Luís, A alma dos ricos, Porto, Guimarães Editores, 2002, pp. 185-186.

Leituras recomendadas

  • Eça de Queiroz, O Crime do Padre Amaro (1875);
  • Eça de Queiroz, O Primo Basílio (1878);
  • Eça de Queiroz, Os Maias (1888);
  • Eça de Queiroz, A Cidade e as Serras (1901).

António Orlando

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