Nasci… e, Aposentei-me!

OPINIÃO. Rosa Maria da Silva Pinto, Professora, Pós-graduação em Antropologia e Doutoramento em Ciências da Cultura.

JOSÉ COELHO/LUSA

Nasci… e, Aposentei-me!
Foi uma noite longa, o sono não chegava, e na minha mente “saltitavam” os acontecimentos em roda da movimentação sindicalista S.T.O.P com a luta acérrima pela dignidade da carreira docente.
Efetuei uma retrospetiva à minha vida em modo de sinopse.
Há oito anos concluí o mestrado em Pré-Escolar e 1º ciclo do ensino Básico pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, com a dissertação sob o tema: “A importância dos jogos e dos materiais manipuláveis para o ensino da matemática. A investigação recaiu nas dificuldades de aprendizagem na matemática pelos alunos, na sua maioria, e as estatísticas assim o demonstram. Outro aspeto, foi/é o fascínio que a matemática exerce sobre mim. Sou adepta, em contexto escolar, da metodologia de projeto em que uma das principais balizas é o trabalho de grupo, a manipulação dos objetos, o brincar no recreio, o passeio à floresta/jardim/mundo rural, visita e fruição de espaços culturais entre outros…que se efetiva a produção de significados quando em conflito com as experiências vivenciadas.
Esse dia, foi um dos dias mais feliz da minha vida (lamechas não), o certificado estava conquistado. O que atentaria a seguir, e não foi por falta de aviso, é que foi custoso.
O meu sonho desde pequena era ser professora. Lecionar! Simples! Mas, não.
As circunstâncias de vida permitiram-me aos quarenta e cinco anos de vida ser Professora. Bastantes pessoas me questionavam: o porquê desta escolha? Uma profissão com uma taxa elevada de professores formados, todavia no desemprego.
No horizonte havia sinais dos problemas que atualmente enfrentamos. O S.T.O.P surge por inação da FENPROF, creio.
O meu foco estava no “sonho” e, sou defensora que as pessoas devem correr atrás dos seus sonhos.
Quando em 2014 concorri ao meu primeiro concurso a nível nacional pela DGAE, estava empolgada. Ser professora era o pensamento, a ideologia a minha asseveração.
Semana após semana verificava as listas para dar aulas e, … nada.
Passou 2015, 2016, 2017e 2018 e, mais um 2019 e, … nada.
Seguidamente, em 2020, somos confrontados com a pandemia devido a covid-19, e aí, despoletou as informações divulgadas através da comunicação social: a falta de professores nas escolas.
Meditei, e já “esfregava as mãos: é agora que eu consigo ensinar”. É a caminhar que se faz caminho. No ano de 2021 surge a minha primeira colocação.
Abrenúncio, que “tontinha” de exultação que fiquei, telefonei à família, a amigos. Crescia dentro de mim um deslumbramento, o coração batia incessantemente.
Colocada, em Lisboa.
A primeira reação era comemorar, afinal tinha sido colocada. Este momento revitalizo como um momento poético. Ultrapassado o entusiasmo “topas” que tens três dias para aceitar o lugar, que raio tão pouco tempo para festejar! Ora bem, á hora de colocares os “pés assentes na terra”, passa o romantismo e surge o racional.
Lisboa, capital de Portugal. Dista de uns 370 quilómetros de Amarante. A família, os amigos, as contas de cá (Amarante) e as de lá (Lisboa). Não aceitei, o “sonho comanda a vida”, mas o sonho não alimenta pessoas.
O sono continua distante e, medito. Como pode! O governo utiliza verbas conseguidas pelos impostos dos contribuintes que, por sua vez, satisfizeram a minha formação PROFESSORA, com os seus impostos. Eu quero ser professora.
O diálogo proativo, e assim deve ser, dos meios de comunicação social aferem que não há professores. Desculpem, senhores jornalistas, acredito em muito do que transmitem, mas falta de professores? no pré-escolar e 1º ciclo, discordo. Aqui estou, eu quero ser professora! Não me concedem condições para exercer. Repulsa quando escuto essas notícias. E, podemos comprovar, assertivamente, pela consulta da lista de recrutamento dos professores. A questão é outra, os professores não aceitam a colocação, evidentemente é incomportável permanecer afastado de casa.
No ano letivo de 2022/2023, após sucessivas consultas semana a semana, não fui recrutada, e porquê? Simples, concorri somente ao QZP 1. Redutora a candidatura, sim, mas comprova que existem professores, não existem para determinadas zonas do país. Entendeu Sr. Ministro!?
Escrevo de forma simples, para que possa compreender a luta dos professores. Roubar tempo de serviços aos professores? Roubar, Mentir? Apropriação de fundos na formação? Senhor Ministro da educação, olhe que é crime? Que valores quer transmitir às nossas crianças?
Renasci no dia que obtive o certificado de mestrado, contudo nesse mesmo dia aposentei-me da função: Professora.
Atualmente, “sou professora de Cultura”. Gracejo com a citação, mas morrer na praia, jamais.
Suponho que existe homogeneidade entre professora de educação e “professora de Cultura”. A diversidade é parca.
Vejamos: planificação de atividades, elaboração de projeto educativo, fomentar o ensino em regime transdisciplinar, execução do projeto educativo que é em suma lecionar são objetivos específicos da função dos professores de educação numa educação formal, e são idênticos os procedimentos na funcionalidade de “um professor de Cultura” numa designação de educação não formal.
Reformei-me da educação, no entanto efetivo em cultura, o que importa nem que seja pontualmente, labuto com crianças com empenho, dedicação e motivação. E, neste paradigma enquadrado no binómio educação/cultura, em que uma sociedade sem cultura é uma sociedade “sem vida”, inválida do ponto de vista económico e social e o País sem educação “está morto”, irá inevitavelmente tombar.
Nasci… não tenciono reformar-me repentinamente. Mas, prometo lutar.

António Orlando

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