DISCÓRDIA. Treze dos 22 bisnetos estão a favor, mas há seis que discordam da mudança de Baião para Lisboa aprovada pela Assembleia da República e vão tentar evitá-la em tribunal. Trasladação de Eça do cemitério de Santa Cruz do Douro para o Panteão Nacional vai ocorrer a 27 de setembro

“Os bisnetos e herdeiros legítimos” de Eça de Queiroz escreveram a ao Presidente da Assembleia da República, Santos Silva, a manifestar “a mais sentida indignação e surpresa pela forma como foi promovida a execução da Resolução da Assembleia da República que autorizou a trasladação dos restos mortais de nosso bisavô Eça de Queiroz, do cemitério onde jaz, em paz, ao lado de sua filha, em Santa Cruz do Douro, Baião, para o Panteão Nacional”.
Em causa está uma resolução apresentada pelo PS na Assembleia da República (AR) e aprovada, por unanimidade, em 2021, que determina a trasladação de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional. Os socialistas alegam que a trasladação “partiu de um repto lançado pela Fundação Eça de Queiroz”, atualmente presidida por Afonso Reis Cabral, trineto do célebre escritor.
Há cerca de 15 dias, uma delegação encarregue da trasladação esteve no cemitério de Santa Cruz a preparar a remoção das ossadas. Na ocasião, apurou o TTV, foi detetado que a cripta estava inundada e o caixão com os restos mortais de Eça, “em mau estado” e que terá sido substituído por um novo.
Esta semana os bisnetos do autor de “A Cidade e as Serras”, na carta que enviaram a Santos Silva e a que o TTV teve acesso, falam em “afronta” à vontade dos familiares do escritor, que “nunca foram consultados ou previamente ouvidos sobre tal propósito”. António Benedito Afonso Eça de Queiroz, o decano dos bisnetos do escritor, em declarações ao TTV, revelou que os familiares também estão a preparar uma Providência Cautelar para impedir a trasladação.
A carta enviada ao Presidente da AR é subscrita por José Maria Eça de Queiroz, António Benedito Afonso Eça de Queiroz, Maria Teresa Afonso Eça de Queiroz, Isabel Maria Afonso Eça de Queiroz, Francisco de Paula Queiroz de Andrada e de Ana Leonor Queiroz de Andrada.

Os bisnetos dizem que não se opõem a uma homenagem nacional ao bisavô, à qual se prometem associar, por exemplo, “com a colocação de uma lápide” num túmulo sem corpo, no Panteão Nacional como foi feito com Aristides de Souza Mendes, cujas ossadas permanecem em Cabanas de Viriato.
Nesse sentido, também foi realizado em Baião, um abaixo assinado que reuniu cerca de 400 assinaturas, defendendo a manutenção de Eça em Santa Cruz do Douro. A ideia dos signatários, explica António Fonseca, ex-autarca de freguesia, é a de “preservar a importância cultural e económica que a presença do corpo tem no turismo da região”.
Na carta, os bisnetos de Eça pedem ao Presidente da Assembleia da República “se digne divulgar [a missiva], pelos Grupos Parlamentares da Assembleia da República (…) para a convergência de esforços no sentido de ser votada a retificação da Resolução da AR em causa, de modo a ser prestada a homenagem e distinção pública e nacional, com honras de Panteão, a Eça de Queiroz na modalidade legalmente prevista, com aposição de lápide evocativa do seu nome, à qual se associarão, os que subscrevem este documento e todos os que a eles se associam”, pode ler-se.
Eça ainda é motivo de desassossego
A trasladação das ossadas de Eça de Queiroz do cemitério de Santa Cruz do Douro, Baião, para o Panteão Nacional que esteve para acontecer este mês de julho, vai ocorrer em setembro, mas há muito tempo que o assunto é motivo de conversas na localidade. Tal como em vida, Eça de Queiroz, depois de morto, continua a causar polémica.
Os dois últimos autarcas de freguesia de Santa Cruz do Douro, têm opiniões distintas. Se o ex-presidente da Junta de Freguesia, António Fonseca (PSD) é frontalmente contra, estando, aliás, a liderar o movimento de oposição à retirada de Eça para Lisboa, já o atual autarca de freguesia, António Manuel Vieira (PS) está conformado. “Temos que respeitar o poder das decisões da Administração da Fundação Eça de Queiroz (FEQ). O importante é que o espólio e a FEQ permaneçam na freguesia”, considera António Manuel Vieira.

O presidente da Câmara Municipal de Baião, Paulo Pereira, diz-se “muito satisfeito” pela homenagem nacional a Eça de Queiroz e lamenta que “aqueles que se têm mostrado contra a trasladação nunca tenham mexido uma palha na promoção e dignificação do legado de Eça de Queiroz”. A decisão, recorda, partiu da FEQ que era presidida por um bisneto e agora é liderada por um trineto de Eça.
Admitindo “surpresa pela rapidez do processo” deliberativo na Assembleia da República, Paulo Pereira, quando confrontado com a questão, ‘se Baião não fica a perder que a trasladação’, responde com “o ganho para o país que esta homenagem significa”.
Para o pós-trasladação, por iniciativa do autarca, esteve pensada a colocação “de um elemento escultórico” no jazigo de família, no cemitério de Santa Cruz do Douro mas por decisão da FEQ será antes colocada “uma coisa mais simples, uma lápide no túmulo da família a indicar que ali esteve sepultado Eça de Queiroz”, revela Paulo Pereira.
Presidente da FEQ diz que Eça não é da família mas sim do país
A homenagem a Eça de Queiroz que compreende a trasladação dos restos mortais do célebre escritor para o Panteão Nacional “vai acontecer no dia 27 de setembro e está a ser preparado um programa muito completo e extenso”, revelou ao TTV, Afonso Reis Cabral, presidente da Fundação Eça de Queiroz (FEQ).

Para o trineto de Eça, a contestação à trasladação para o Panteão Nacional é “extemporânea” face a uma decisão que foi aprovada na Assembleia da República em 14 de janeiro de 2021. “Basta ler o projeto de resolução”, argumenta.
“Mais do que bisavô, Eça de Queiroz é sobretudo um dos maiores escritores da Língua Portuguesa, e uma figura tutelar para a própria modernidade da língua e da cultura do nosso país. Pertence, pois, a todos os portugueses”, assim, dizem 13 primos descendentes de Eça e assim foi repetido ao TTV por Afonso Reis Cabral. Deste modo o jovem escritor, justifica a decisão tomada pelo Conselho de Administração da FEQ, entidade que recebeu o espólio do escritor por “doação da família” e que solicitou a homenagem nacional. “Se vai haver uma providência cautelar, não comento intenções”, acrescenta Afonso Reis Cabral que baliza em 13 concordâncias familiares com a trasladação, seis contra e três abstenções.
Eça de Queiroz
Nascido a 25 de novembro de 1845, na Póvoa de Varzim, Eça de Queiroz é o autor de obras ímpares da literatura portuguesa, como “A Cidade e as Serras”, “Os Maias”, “O Crime do Padre Amaro” ou “O Primo Basílio”. Morreu em 1900, em Paris, e está há 32 anos sepultado no jazigo da família, em Santa Cruz do Douro, Baião, após ter sido trasladado de Lisboa. Nesta localidade, em Tormes, está também sediada a Fundação Eça de Queiroz.