Cérebro: a última fronteira

OPINIÃO- Luís Monteiro, (Médico de Família)

Os avanços da ciência são alicerçados na partilha de conhecimento, experimentação e método. Mas ainda que as pontes sejam mais frequentes há por vezes protagonistas que competem entre si em “duelos” fascinantes. Foi o que sucedeu entre o italiano Camillo Golgi (1840-1926) e o espanhol Santiago Ramon y Cajal (1852-1934).

Estávamos no final do século XIX, período excepcional para o conhecimento da morfologia do sistema nervoso.

Golgi criou a impregnação de prata que permitiu corar os neurónios. Esta técnica foi fundamental para descobertas posteriores. Foi ele que, entre outras observações, identificou as múltiplas conexões em rede. O italiano ficou então convencido de que os neurónios se mantinham ligados em continuidade e cunhou a teoria reticular ou sincicial do sistema nervoso.

Mas esta hipótese foi contrariada por Cajal que, ao estudar o sistema nervoso com o método inventado anteriormente pelo “rival”, estabeleceu que existia uma descontinuidade entre os neurónios. Tal seria corroborado definitivamente com a microscopia electrónica. Nos anos 50 do séc. XX conseguimos observar a existência de um espaço entre os neurónios, a que chamamos de sinapses.

As sinapses são zonas activas de contacto, químico ou eléctrico, entre uma terminação nervosa e outros neurónios, células musculares ou outras.

Este conhecimento permitiu-nos entender várias patologias e depois encontrar tratamentos eficazes.

A história entre Camillo Golgi e Santiago Cajal não fica por aqui e culmina na atribuição ex aequo do Prémio Nobel em Fisiologia ou Medicina em 1906.
A justificação para este reconhecimento internacional deveu-se ao facto de que o trabalho de ambos permitiu começar a conhecer algo que até então permanecia como um mistério: a estrutura do sistema nervoso. Foi a primeira vez em que o maior prémio do conhecimento foi partilhado, o que não deixa de ter uma ponta de ironia, tendo em conta a rivalidade entre os cientistas.

Conhecer a anatomia e funcionamento do nosso cérebro sempre foi uma meta da ciência e da medicina. Ainda há, claro, muito caminho a percorrer, mas sabemos hoje muito mais do que no tempo de Golgi e Cajal.

Se o leitor quiser aprofundar este tema recomendo o extraordinário livro “Do cérebro de Lenine à proteína suicida” do Professor Luís Bigotte de Almeida.
Uma obra para mentes curiosas.

António Orlando

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