ENTREVISTA. Lú Araújo, promotora do Festival MIMO

Lú Araújo a desinteligência que houve com a Câmara de Amarante, que vos levou a tribunal e a mudar o MIMO para o Porto, está ultrapassada?
Da minha parte total. Acho que a gente já resolveu isso. Firmamos um contrato de dois anos. O tempo cura algumas mágoas. Não é fácil passar por uma situação dessas como a gente passou. Aconteceu num momento muito singular do mundo. Estávamos no meio de uma pandemia, as pessoas também não sabiam o que vinha por aí, mas era um momento que precisava de tomar uma decisão. Só briguei por uma coisa: voltar para a Amarante! Não quis dinheiro nenhum, eu não quis nada! Só queria retomar o meu contrato e voltar. Isso pra mim é a maior conquista. Depois de termos tido outras experiências [MIMO Porto] acho que Amarante é uma boa casa para o MIMO. É uma cidade que combina, tem astral. O MIMO é um festival que tem uns percursos interessantes mesmo no Brasil. Não comecei o MIMO no Rio ou em São Paulo. Comecei em Olinda, a 1500 km de São Paulo e lá me consolidei. Quando pensei em 2016 fazer o MIMO aqui em Portugal, em Amarante, não tive medo. Era melhor para mim, mais seguro, onde me sinto muito confortável e acho que o público gosta daqui. Vi muitas reclamações nesse “negócio” do MIMO ir para o Porto. Então é assim: eu adoro essa possibilidade de voltar e eu espero que as pessoas venham; o MIMO está mais espalhado pela cidade, mais dinâmico com um roteiro como se fizesse um roteiro no carnaval de Salvador. Eu quero Rua eu quero Festa.

Depois do interregno do MIMO em Amarante, o festival está de regresso a esta cidade. Que MIMO é este?
Eu acho que é um MIMO mais forte. É o MIMO que aprendeu coisas também nesse tempo, com uma programação muito baseada na relação Brasil -África – Portugal. Estou feliz com esse retorno, são mais de 50 atividades, numa programação que não é óbvia…
É um MIMO disruptivo em relação aos anteriores?
É, eu acho, porque não quis fazer uma programação que estivesse muito ligada aos outros festivais que se fazem em Portugal. Os festivais devem cumprir um papel, que nem sempre cumprem, mas que eu tento fazer no MIMO que é de abrir uma janela de oportunidades para artistas mais novos. Cada vez mais os Festivais estão reféns dos grandes nomes. Então o MIMO é uma oportunidade. Quem depende tanto da bilhética tem dificuldade em fazer uma programação que não seja mediática. O MIMO não tem isso. Tentei fazer um festival que também tivesse grandes nomes e muita, muita, novidade. Há vários nomes da música brasileira, da música africana e de outros lugares do mundo também. São nove países representados na programação, que dá espaço para novidades que o público vai curtir, estou certa.

São 21 concertos no total, destes, aonde é que coloca o maior número de fichas?
Eu gosto muito da programação de sábado, dia nobre de qualquer Festival. Fiz uma programação diferente. Primeiro é uma programação feminina, veiculada às mulheres, às trans, – a Puta da Silva é um exemplo disso- temos também a Fatoumata Diawara que é uma artista africana [Mali] que é das poucas que está conseguindo um espaço no universo pop, com uma agenda internacional incrível e indicada aos Grammys. Acho que isso é diferente. Temos noites mais equilibradas na sexta. No domingo tenho uma programação totalmente masculinizada. Aposto as minhas fichas no sábado, pela diversidade, pela causa feminina e pela atitude. São artistas que são meio punks na sua atitude performática, em universos muito diferentes, mas todas têm muita garra no palco. O público interessado em novidades vai curtir muito esse sábado.
Do Brasil há apostas em consagrados, de artistas com muitos anos de palco. É um tributo à música brasileira?
Vou ser muito sincera, esse ano dou um certo carinho aos artistas brasileiros. O MIMO não é um festival brasileiro em programação, ele é um festival que nasceu no Brasil, mas foi sempre internacional. Por uma série de acontecimentos que tivemos no Brasil, os brasileiros estão mais interessados em sair de lá e o MIMO assume uma forma de estar estar representado na diáspora que está vindo para cá. Assim como há, também, muitos artistas brasileiros interessados em buscar palcos internacionais. Então há mais artistas brasileiros do que noutras edições. Não estou arrependida porque tem um Brasil desenhado. Tenho artistas do Maranhão, no nordeste do país, artistas como a Simone Mazzer do Paraná, mas que vive no Rio de Janeiro, nomes grandes nomes da música brasileira como Marcelo D2 que é um cara que está fazendo um trabalho inacreditável, super contemporâneo, que as pessoas precisam de entender. No Brasil passa-se com o Samba aquilo que vocês viveram cá com o Fado. O Marcelo está propondo uma coisa nova e que já está rolando, trabalhando o Samba com Hip Hop. Temos o Arnaldo Antunes, um grande nome…

Que outras vertentes destaca no festival MIMO?
Há uma coisa que o Porto me deu que foi o Sound System. Eu já estava ligada um pouco nessa cultura de bass e achava que isso também precisava de vir para o MIMO. No Porto foi muito bom. Vamos ter General Levy, um veterano da cena musical urbana britânica, e também Kebra Ethiopia Sound System que é um grupo da periferia de Joanesburgo, África do Sul, que tem um trabalho baseado na questão social.
….ou seja, as questões sociais também sobem ao palco do MIMO..?
O MIMO tem umas causas silenciosas. É importante para o público conhecer causas que envolvem pessoas de cinco anos de idade a 70 anos e que estão trabalhando em função de criar uma condição melhor. Chamar atenção para aquela comunidade, para tirar as pessoas do tráfico. Então, assim, eu quis trazer o Kebra Etiópia que faz isso muito bem.
De África será, também, justo destacar Bassekou Kouyate…
Sim, sem dúvida, é um grande nome da ancestralidade africana, que toca a kora [harpa-alaúde de 21 cordas] e o ngoni [alaúde dedilhado com 4-6 cordas]. Temos também música clássica que envolve peças de Schumann, de Mozart, pela Orquestra do Norte e outras pequenas ações menores que são Concertos de Câmara de cordas, com obras de Giacomo Puccini e Gabriel Fauré.
O MIMO sendo uma espécie de multiplex de géneros como é que cose tudo isto?
Sem dúvida que o mais difícil é fazer essa combinação. E aí temos jovens, como a Simone Mazzer que é uma artista urbana brasileira que vem trazendo um tema super importante de ser falado: os estigmas sociais; ela é uma artista que é gorda, atriz maravilhosa de grupos de teatro e cinema brasileiro. É importante falar sobre isso. Então como é que você faz isso? Com a arte..!
O Newen Afrobeat junta-se a Dele Sosimi numa aliança improvável Chile/Nigéria que também combate o estigma de que o afrobeat só está ligado a África. No outro extremo temos Femi Kuti & the Positive Force, da Nigéria, que traz pela primeira vez a Portugal um espetáculo que foi valorizado no mundo inteiro e que concorreu o Grammy com o trabalho que ele faz sobre a obra do Pai – o mítico Fela Kuti, criador do estilo musical que se popularizou na Nigéria e no mundo, nos anos de 1970 e 80, e que revolucionou várias gerações de artistas.
Dino d´Santiago para fechar. Porquê?
Dino d´Santiago é a cara do MIMO! Já o queria trazer nas anteriores edições mas ele não tinha agenda. É um artista muito singular. Talvez a coisa mais próxima seja a própria Maira Andrade, mas não é isso. Dino é singular. Acho que o Dino tem uma obra de autor, com assinatura, e então escolhi-o para fechar o MIMO.
Que outras vertentes podemos assistir no MIMO?
Temos DJs, assim como o Andrea Ernest Dias que é a grande instrumentista [flauta] brasileira que traz ao MIMO o seu quarteto. A Cor do Som é o quarteto que aqui vai fazer a tropicália. Humm, talvez seja o meu concerto do ano, porque eu sou a geração “a cor do som”. No MIMO Amarante eles trazem a Carminho. Estou muito curiosa. Vou dar um spoiler ao TTV: Eles convidaram a Carminho para o próximo Carnaval cantar em Salvador da Bahia. Isso é lindo. Vou adorar ver a Carminho que, para mim, assim como o Dino, é o nome da música contemporânea portuguesa.
Como é que a criadora do MIMO vê essa contemporaneidade musical lusa?
Portugal está a viver um momento muito interessante. Eu vi muita coisa. O que está acontecer com o Brasil de ter uma presença mais marcante este ano no MIMO, no próximo ano vai acontecer com Portugal. Estou a gostar de muita coisa que se faz em Portugal. Tenho ouvido coisas modernas de umas cantoras novas, influências de hip hop com umas vivências interessantes.

Além da música, o que oferece o MIMO?
Criamos o “bem-estar MIMO” para o público que vem para cá, que acompanha os concertos, mas que durante o dia fica no hotel. Então vou mandá-los pela natureza de Amarante para aproveitar tratamentos, coisas especiais. Vou mandar fazer rituais terapêuticos. São umas coisas de experiência porque eu acho que festival é a experiência também.