Envolvimento renal no Lúpus 

OPINIÃO -Estela Nogueira, Pelo Grupo de Trabalho de Imunonefrologia da Sociedade Portuguesa de Nefrologia  

Que tipo de envolvimento renal pode ocorrer no Lúpus?

O lúpus é uma doença em que o sistema imune se torna disfuncional e leva à produção de auto-anticorpos que se depositam nos órgãos causando inflamação e lesão a longo prazo. A inflamação do Lúpus pode atingir os rins e esta situação é designada por nefrite lúpica. 

Os rins têm como objetivo filtrar e eliminar as toxinas, bem como manter o equilíbrio dos sais, minerais e conteúdo de água corporal. Para além disso, produzem hormonas que são importantes para manter o controlo da pressão arterial e evitar anemia.  Os rins são constituídos por cerca de 1 milhão de unidades filtrantes designadas por glomérulos. Os depósitos de auto-anticorpos ocorrem nos glomérulos, levando à inflamação e alteração da capacidade de filtração destes glomérulos, permitindo a passagem de sangue e proteínas para a urina. 

De acordo com a gravidade da inflamação a Nefrite Lúpica classifica-se em:

Classe IFases precoces que não exigem tratamento, exceto se proteinúria elevada e presença concomitante de Podocitopatia do Lúpus
Classe II      
Classe IIIFases inflamatórias que exigem tratamento
Classe IV
Classe VExige tratamento se proteinúria elevada
Classe VIFase apenas com lesões crónicas, não exige tratamento

A medicação e as consequências da medicação tais como os glucocorticoides, podem levar à hipertensão e diabetes que por si só também podem dar doença renal, mas que não se relaciona com a inflamação do lúpus. 

O envolvimento renal é frequente? Quando pode surgir no curso da doença?

O envolvimento renal pelo lúpus é frequente, sendo que cerca de 20 a 60% dos doentes poderão desenvolver nefrite lúpica durante o curso da doença, seja no seu início, seja numa fase posterior. O atingimento renal é mais frequente nos doentes de origem africana, asiática ou hispânica. 

Como se manifesta a nefrite lúpica? 

Nas fases mais precoces, é assintomática e manifesta-se apenas com presença de sangue e proteínas na urina que é avaliada no contexto de rotina nas consultas de seguimento. 

À medida que progride, evolui com pressão arterial elevada (hipertensão arterial) e surgimento de edema (inchaço) por incapacidade de gestão dos líquidos pelos rins. Assim, surge progressivamente edema nos membros inferiores, olhos, abdómen e tórax evoluindo para falta de ar. A presença de espuma na urina é também um sinal de proteínas na urina. 

Como se pode diagnosticar precocemente e como deve ser abordada?

Na avaliação de rotina que o doente com lúpus faz habitualmente com o seu reumatologista ou internista, é muito importante que conste sempre:

  1. Exames de urina para verificar se há proteínas e sangue na urina.
    1. Sedimento urinário: para avaliar se existe eritrócitos (sangue)
    2. Rácio proteínas/creatinina na 1ª amostra da manhã para testar proteínas elevadas na urina (proteinúria); em alternativa ou para quantificar com mais rigor colher a proteinúria numa urina de 24h. 
  2. Análises sanguíneas
    1. Creatinina no soro (que demonstra se os rins funcionam bem ou não) 
    2. Outras análises para diagnosticar lúpus: hemograma, velocidade de sedimentação, auto-anticorpos (ANA, dsDNA), complemento (C3, C4 e C1q).

Caso surja proteinúria (principalmente > 500mg/dia) e/ou eritrocitúria e/ou alteração da função renal, será proposta a realização de:

  1. Biópsia renal: é fundamental para caracterizar a inflamação que tem a nível renal e para adequar o tratamento, ou seja, permitir decidir entre não tratar, tratar de forma pouco agressiva ou mais agressiva. As alterações das análises não são suficientes para se esclarecer o grau de inflamação, só a biópsia renal permite dar o diagnóstico definitivo.

Como se deve tratar a nefrite lúpica?

A nefrite lúpica é tratada com medicamentos que suprimem o sistema imunológico de forma a que ele deixe de danificar os rins, reduzindo a inflamação e a produção de auto-anticorpos. Dependendo da gravidade da inflamação, o tratamento pode incluir:

– Micofenolato mofetil e glucocorticoides 

– Ciclofosfamida (habitualmente endovenosa) e glucocorticoides

– Micofenolato mofetil, belimumab e glucocorticoides 

– Micofenolato mofetil, tacrolimus ou ciclosporina e glucocorticoides 

Estas são as opções mais frequentes, mas é possível que surjam mais medicamentos com os novos ensaios clínicos e que os glucocorticoides (prednisolona) sejam substituídos por outros medicamentos com menos efeitos colaterais a longo prazo (inibidores do complemento). 

Para além da redução da inflamação, será importante iniciar medicação para controlar a hipertensão arterial (inibidores da enzima conversora da angiotensina ou antagonistas do recetor da angiotensina II) que podem também ajudar a reduzir a proteinúria. É fundamental vigiar a pressão arterial em casa para melhor controlar a hipertensão arterial. 

Quais são as complicações da nefrite lúpica?

É fundamental diagnosticar e tratar precocemente a nefrite lúpica, pois a longo prazo pode levar à perda progressiva de função renal, com desenvolvimento de insuficiência renal grave, que exija terapêuticas substitutivas da função renal, nomeadamente a diálise ou o transplante renal. A vigilância da urina através de análises é fundamental para a abordagem precoce e eficaz e deve fazer parte da avaliação de rotina do doente com lúpus. 

Referências

  • KDIGO 2024 Clinical Practice Guideline for the Management of Lupus Nephritis
  • National Institute of Health – national institute of diabetes and digestive and kidney diseases

António Orlando

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